segunda-feira, 24 de junho de 2013

PIPOCA


 Rubem Alves

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. 
Assim acontece com a gente. 
As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.
 Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma
mesmice e de uma dureza assombrosas. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. 
O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. 
Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão - sofrimentos cujas causas ignoramos. 
Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense
que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.
 Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece:
Bum! 
e ela aparece como uma outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia
sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante. 
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro. "Morre e transforma-te!" - dizia Goethe.
Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham
que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito de elas serem. Ignoram o dito de Jesus: quem
preservar a sua vida perde-la-á. Sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. 
Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é
uma grande brincadeira.


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